Pessoas: a diferença em uma UTI

Depois de uns dois dias de inconsciência, percebi a realidade do meu novo habitat; a UTI do Hospital Samaritano, em São Paulo. Como forma de me agarrar à vida, comecei a prestar atenção à tudo ao meu redor. Eu deitada ali naquele leito, praticamente imóvel, fiz o que eu podia: analisar tudo o que estava ao meu alcance, as pessoas e suas rotinas. Eu procurava falar o quanto eu pudesse com quem eu pudesse. Procurava ouvir todos os sons. Foi uma forma que encontrei de me agarrar à vida. 


Eu queria me manter consciente, alerta; eu sentia uma necessidade de manter meu cérebro em atividade. Tenho quase certeza que era medo de morrer. Passei a saber mais sobre os pacientes ao meu redor; eu já havia memorizado os horários das radiografias, das tomografias; além do meu cérebro, meu corpo havia memorizado a hora do banho - um dos momentos mais felizes do meu dia. Passei, eu também, a ser uma das rotinas daquele lugar. 

Mesmo com uma tontura que até hoje persiste, eu me esforçava para gravar fisionomias, nomes, vozes. Os primeiros dias na UTI foram os mais difíceis, muito sonolentos porém inquietos, sempre na companhia daquelas máquinas infernais de monitoramento. O barulho dessas máquinas realmente foi um problema. Eu me sentia cansada, mas não conseguia descansar (ou não queria - medo de dormir e não acordar mais). O começo da minha reconstrução foi difícil. Foi difícil dominar a pressão alta, ficar sem comer e sem beber nada, urinar com sonda, me alimentar com sonda, ficar completamente rouca. Foi particularmente difícil e constrangedor cuspir, em todo tempo, sobre uma toalha, a saliva que insistia em trabalhar. Aos poucos a pressão alta, que era o maior dos perigos, se rendeu aos remédios e ao profissionalismo dos médicos, enfermeiros e técnicos.

Técnicos como a Roseli que, logo no começo da minha estada na UTI, já passeava comigo pelo s corredores do hospital, me acompanhando até a sala de ressonância e tomografia. Exames que eu tinha que fazer todos os dias e por causa da sonolência, eu precisava repetir o procedimento várias vezes. Me lembro do rapaz de cabelos negros e jogados para trás, o Rafa; ele me dava bronca, tentava me manter acordada.  Sei apenas que ele era lindo demais, com um vozeirão maravilhoso...ahhh meu Deus...como pude ficar sonolenta?! >> Rafa, juro que tentei não decepcioná-lo!

Em um outro encontro na ressonância, a Thaise me ajudou a lembrar do nome dele....descrevi os cabelos e o vozeirão daquele anjo, e ela prontamente me informou o nome: "é o Rafa". Eu realmente não estava muito bem para gravar o nome de todos. A Thaise me viu váááárrriiiassss vezes e sempre me chamava pelo nome...Isso é bom demais. Ser tratada pelo nome me lembra que ainda havia humanidade em mim.

Além da Roseli que cuidou de mim na madrugada, um fiel companheiro que também cuidou de mim foi o Marcos. Conversávamos sobre Deus, igreja, casamento, família, filhos,...foi ótimo conhecê-lo. Por uma madrugada uma moça chamada Daiane, loirinha, baixinha cuidou de mim...um docinho, moça de tudo...fiquei abismada com a pouca idade dela.

E como não lembrar dos momentos especiais na companhia da Maroca e da Kátia Lira....lindas. Eu, ainda deitada, me entregava de corpo e alma. A higiene e o banho eram procedimentos realizados sobre a cama mesmo, com o paciente acamado. A Mara e a Kátia me conheceram melhor e perceberam que eu era vaidosa, que gostava de limpeza, cremes e cheirinhos. Me limpavam, trocavam meus lençóis, passavam creme no meu corpo todo (eu tinha um creme iluminador da Natura que fez um sucesso tremendo naquela UTI). Depois de tanto carinho e com lençóis novos e fresquinhos eu poderia tentar dormir. Passaram alguns dias e esse carinho se tornou fundamental para que eu adormecesse. Era uma das formas de driblar o foco que havia nas máquinas infernais de monitoramento.

Um dia eu estava bem deprê. Longe de casa, longe do meu filho, dos colegas de trabalho, longe do meu fiel Spike...eu estava bem pra baixo, meio caidinha e ainda não era a hora da visita das 21h. Eu só podia ficar deitada. A equipe de plantão percebeu meu abatimento e invadiu meu box. Me deram aquela "sacudida". O Marcos estava no meio. Trocaram meus lençóis, fizeram uma higiene básica, me ajudaram com meus cremes e até me ajudaram a arrumar o cabelo. Conclusão: fiquei apresentável para a hora da visita.

Posso dizer que esses momentos de carinho me salvaram. Cada momento de carinho resgatava aos poucos minha auto-estima (que ainda dormia em meu inconsciente, pós derrame). Sei que alguns médicos e enfermeiros plantonistas acham isso uma frescura...mas deixo pra lá. Não vale a pena registrar isso. O que vale a pena registrar são os lindos e tão esperados momentos dos banhos de água (como diziam a Débora e a Marcinha). O meu primeiro banho, pós derrame, foi com o Celso da Semi I. É preciso mencionar...esse banho se tornou uma referência para mim. Paciente acamada, totalmente entregue ao colchão, tomando banho (com água mesmo). Foram muitos os cuidados, grande o zelo e tudo com muita atenção aos detalhes...Celso! Obrigada!

Os banhos dados pela Débora, Silmara e Marcinha também precisam ficar devidamente registrados. Água...muita água, carinho e cheiro bom....aí delas se alguém visse a quantidade de água...rsrs. Era divertido. Eu era delicadamente revirada pelas três damas, muita, mas muita água. Débora, Silmara e Marcinha: profissionais que estimam o bem estar do paciente...lindo!! Amei ter conhecido de tão perto a atuação e o nível de profissionalismo de alguns técnicos e enfermeiros. Deve haver algum propósito espiritual nessa profissão. Não consigo encontrar uma explicação natural para este tipo de ação. Só pode ser sobrenatural. Dom de Deus.

Para ser um profissional da saúde exemplar, precisa ter dom de Deus